quinta-feira, 2 de junho de 2016

Conservadorismo e estética na arte


*Por Gabriel Silva Corrêa Lima


“Em qualquer época entre 1750 e 1930, se você pedisse às pessoas cultas para descrever o objetivo da poesia, da arte ou da música, elas teriam respondido: a Beleza. E se você perguntasse pela razão disso, você aprenderia que a Beleza é um valor, tão importante quanto a Verdade e o Bem.
Depois, no século XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, cada vez mais, concentrou-se em perturbar e em quebrar tabus morais. Não era a beleza, mas a originalidade, conseguida por qualquer meio e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios.
Não apenas a arte fez um culto à feiura; a arquitetura também se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso ambiente físico que se tornou feio. Nossa linguagem, nossa música e nossas maneiras estão cada vez mais rudes, egoístas e ofensivas; como se a beleza e o bom gosto não tivessem nenhum lugar real em nossas vidas.  [...]
Eu acho que nós estamos perdendo a beleza e há um risco de que, com isso, nós percamos o sentido da vida.”.

A epígrafe deste artigo é constituída pelas palavras do célebre filósofo conservador Roger Scruton, em um documentário na BBC, intitulado Why The Beauty Matters (Por que a beleza importa), aonde se identifica uma observação a respeito da importância da arte para a nossa rotina, e uma crítica a respeito dos problemas advindos de suas mais recentes transformações. Vê-se que a arte, em suas representações várias, hoje em dia, não se atém mais ao apreço único pelo “belo”, e o que o seria? Seria relativo ou um valor universal para a temática e estética da obra? É essa uma das questões que iremos abordar aqui.

Estou certo de que se você perguntasse para um sujeito do século XIX qual é a importância da poesia, por exemplo, se perguntares para o patriota Olavo Bilac sobre qual seria um dos principais objetivos da poesia, ele decerto dir-lhe-ia que é a “beleza”, ou seja, aquilo que segundo a sua concepção permite-nos a transcendência de uma realidade imaginativa, que nos permitiria escapar do fatídico e realíssimo mundo terreno. Algo como o poema Via-Láctea cumpriria o papel, ou mesmo as Siderações do querido Cisne Negro (Cruz e Sousa), aos meandros sinestésicos do simbolismo, que comporta um genial apreço à musicalidade, e a afeição ao hercúleo trabalho poético.

Podemos falar da maior fluência desse tipo de arte quando decorria no ocidente a valorização pelos valores de tradição, como o cristianismo tão blasonado pelos escritores Românticos, vivendo-o puramente, retomando as características do cristianismo quase medievalista. Esse é um aspecto da escola literária do Romantismo, que nos influenciara em muito com nossos arquétipos psicológicos de poeta e estética textual. Outro exemplo vem da corrente de pensamento literário denominada Sturm und Drung(Tempestade e Ímpeto), que caracterizava o forte apelo emocional e o exagero trágico frente a algumas situações das narrativas literárias, envoltas de um sentimentalismo exacerbado.

A “moral romântica” é algo que valorizava, acima de tudo, o escapismo do homem a uma realidade transcendente, dispondo de uma estética deixada pelos antigos, com dois mil anos de “cristianismo nas costas”. Daí então, pela perspectivação de uma metafísica na arte, tinha-se o universalismo, o ideal, perante o que significaria belo.

Servia então, a arte, como objeto de escape.

No entanto, compreendendo as transformações socioculturais e filosóficas, advindas acima de tudo da crítica do Realismo/Naturalismo, e com o ceticismo positivista de Auguste Comte que visava o progresso científico e cultural longe de uma esfera de pensamento teológico metafísico; aos poucos, parte das escolas artísticas foi perdendo seu papel de “fuga” ou idealização poética de uma realidade transcendente, e se empenhando na quebra de tabus morais, com a finalidade de chocar, comover os interlocutores com base em uma reflexão da realidade por elementos dela mesma. Mas como isso se sucedeu? E quais são suas maiores problemáticas sociais? Afinal, é uma problemática?

A fim de respondermos a essas instigantes questões, atenhamo-nos ao seguinte trecho do documentário:

“Obviamente esse hábito de enfatizar o lado desolador da vida humana não é novo. Desde o início de nossa civilização, tem sido uma das tarefas da arte pegar o que é mais doloroso na condição humana e redimi-lo em uma obra de beleza. A arte tem a habilidade de redimir a vida ao encontrar beleza até nos piores aspectos das coisas.”

Tal excerto retirado do documentário de Scruton nos faz atenuar a importância do ser humano na retratação de seu mal como remédio para saná-lo, assim como também exemplificado pelo dionisíaco, o culto ao bizarro, de Nietzsche em a Origem da Tragédia, que trata o exemplo de Édipo Rei, de Sófocles, na narrativa do que há de mais fatídico e medonho da vida para que se possa escapar e procurar o apolíneo, ou seja, o culto ao belo, ao “bom”, que no caso, é valorado moralmente.
Então, na arte contemplativa escapista e poética, tem-se a supressão de fatores psicológicos agravantes à vivência do homem enquanto ser sociável, fazendo com que ele suporte a existência de forma a amortecer com o escapismo, frente à valorização do belo, ou pelo menos de sua concepção. Tendo então a realidade ideal, seja dionisíaca, ou apolínea.[1]

Portanto, Scruton critica a falta desses fatores nas obras de arte (algumas) atuais, estabelecendo então um critério moral a elas, que só trabalham na quebra dos valores artísticos anteriores somente.

Se queres um exemplo, tome a figura de La fontaine de Marcel Duchamp, onde fora exposto um mictório em uma galeria artística, onde está nele escrito o nome da obra e “Isto é arte” em uma etiqueta próxima.


E o que provocou afinal essa desvalorização de valores metafísicos, permitindo com que exposições como a de um mictório ocorram?

Scruton culpa a então chamada Pragmática, que trata de um relativismo radical, defendido por filósofos pós-modernos como Gilles Deleuze, Felix Guattari, Michel Foucalt, Richard Rorty. E teve seus primeiros ecos com a teoria pessimista de que todos os pontos de vista existentes não fossem nem verdadeiros, nem falsos, mas construídos socialmente conforme as necessidades fisiológicas, geográficas e culturais de um determinado segmento. Isso abstrai qualquer metafísica e nos prende no campo do materialismo cético somente, sem necessidade de escapismo. Não é em vão que os teóricos citados seriam em grande parte marxistas.

Logo, com a relativização da beleza, aniquila-se o campo da necessidade do belo, e não há tratamento dos males psicológicos, mas sim uma quebra de tabus. Ou seja, por positivismo, ceticismo. Que inicialmente fora interessante, mas que com o passar do tempo, tornou-se fatídico.

Como poderia haver um motivo para a produção da arte se não há valores cogitados como viáveis ou inviáveis; morais ou imorais? Simples! Esse é o objetivo! É uma arte sem sentido apenas, o que, logo, que aniquila qualquer possibilidade de debate em relação ao valor da obra.

Percebe-se então certo autoritarismo na Pragmática Relativista, e logo, uma incoerência, pois esta visa o discurso da “tolerância retórica” politicamente correta. Só que os relativistas são os primeiros a censurarem os que os negam. Discordam dos que os indagam, pois não há refutações àquilo que não é certo ou errado, mas relativo, conforme eles.

De acordo com Scruton, em um contexto onde nada é proibido (onde a beleza é relativa), é necessário proibir aquilo que deseja proibir o ato de não proibir nada.

Há um apelo inerente à irracionalidade, tornando a condição humana algo trivial, animalesco; relativizam a arte. Isso permite o surgimento de expressões puramente irracionais e estética e filosoficamente pobres, como uma “centopeia humana”[2].

Scruton torna clara a observação a respeito de trabalhos artísticos descabidos dos princípios morais da beleza:
“Às vezes a intenção é nos chocar, mas o que é chocante na primeira vez é chato e vazio quando repetido. Isso conduz a arte para dentro de uma piada intrincada, que agora deixou de ter graça.”
“A arte criativa não é realizada assim, simplesmente tendo uma ideia. Claro, ideias podem ser interessantes e divertidas, mas isso não justifica a apropriação do rótulo de ‘arte’. Se uma obra de arte não é nada mais que uma ideia, qualquer um pode ser um artista e qualquer objeto pode ser uma obra de arte. Não há mais necessidade de habilidade, gosto ou criatividade.”
“Então, a arte de hoje nos mostra o mundo como ele é, o aqui e agora com todas suas imperfeições; mas o resultado realmente é arte? Certamente uma coisa não é uma obra de arte somente porque mostra um pedaço da realidade (a feiura incluída) e se auto intitula de ‘arte’. A arte precisa de criatividade, e criatividade é sobre compartilhar, é um chamado para que os outros vejam o mundo como o artista o vê.”

Segundo Roger Scruton, também, a arquitetura quotidiana sofreu com os ditames da utilidade prática sem reflexão por seus elementos estéticos que viabilizem uma beleza. Compara-se a arte arquitetônica de Antoni Galdi, famoso arquiteto catalão espanhol, que se dedicara em curvas e uma estrutura inovadora, e as obras modernas de arquitetura urbanista do quotidiano[3], “desprovidas de vida”, quadrados, triângulos...

Os danos sociais então, é que com o relativismo na arte, e na praticidade isenta da beleza estética na arquitetura, não há mais tanta admiração e “cura psicológica” frente às mágoas e alegrias da existência, e retém-se tudo em uma banalidade de materialismos mutáveis, instáveis, que caminham junto ao modismo ou à praticidade somente. Detém-nos num mundo onde o ter e o chocar é mais valoroso que ser e sentir.
Gabriel Silva Corrêa Lima



[1] Não seria conveniente expor aqui a referência a Nietzsche sem incisiva crítica do maior conservador brasileiro em atuação, Olavo de Carvalho: http://www.olavodecarvalho.org/semana/02152003globo.htm
[3] Salvo as inovações efetuadas com a instrumentação moderna, como as obras de Dubai.

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