*Por
Gabriel Silva Corrêa Lima
“Em qualquer época entre 1750 e 1930, se você
pedisse às pessoas cultas para descrever o objetivo da poesia, da arte ou da
música, elas teriam respondido: a Beleza. E se você perguntasse pela razão
disso, você aprenderia que a Beleza é um valor, tão importante quanto a Verdade
e o Bem.
Depois, no século XX, a beleza deixou de ser importante.
A arte, cada vez mais, concentrou-se em perturbar e em quebrar tabus morais.
Não era a beleza, mas a originalidade, conseguida por qualquer meio e a
qualquer custo moral, que ganhava os prêmios.
Não apenas a arte fez um culto à feiura; a arquitetura
também se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso ambiente físico
que se tornou feio. Nossa linguagem, nossa música e nossas maneiras estão cada
vez mais rudes, egoístas e ofensivas; como se a beleza e o bom gosto não
tivessem nenhum lugar real em nossas vidas. [...]
Eu acho que nós estamos perdendo a beleza e há um
risco de que, com isso, nós percamos o sentido da vida.”.
A epígrafe deste
artigo é constituída pelas palavras do célebre filósofo conservador Roger
Scruton, em um documentário na BBC, intitulado Why The Beauty Matters (Por que a beleza importa), aonde se
identifica uma observação a respeito da importância da arte para a nossa
rotina, e uma crítica a respeito dos problemas advindos de suas mais recentes
transformações. Vê-se que a arte, em suas representações várias, hoje em dia,
não se atém mais ao apreço único pelo “belo”, e o que o seria? Seria relativo
ou um valor universal para a temática e estética da obra? É essa uma das questões
que iremos abordar aqui.
Estou certo de
que se você perguntasse para um sujeito do século XIX qual é a importância da
poesia, por exemplo, se perguntares para o patriota Olavo Bilac sobre qual
seria um dos principais objetivos da poesia, ele decerto dir-lhe-ia que é a
“beleza”, ou seja, aquilo que segundo a sua concepção permite-nos a
transcendência de uma realidade imaginativa, que nos permitiria escapar do
fatídico e realíssimo mundo terreno. Algo como o poema Via-Láctea cumpriria o papel, ou mesmo as Siderações do querido Cisne Negro (Cruz e Sousa), aos meandros
sinestésicos do simbolismo, que comporta um genial apreço à musicalidade, e a
afeição ao hercúleo trabalho poético.
Podemos falar da
maior fluência desse tipo de arte quando decorria no ocidente a valorização
pelos valores de tradição, como o cristianismo tão blasonado pelos escritores
Românticos, vivendo-o puramente, retomando as características do cristianismo
quase medievalista. Esse é um aspecto da escola literária do Romantismo, que
nos influenciara em muito com nossos arquétipos psicológicos de poeta e
estética textual. Outro exemplo vem da corrente de pensamento literário
denominada Sturm und Drung(Tempestade e
Ímpeto), que caracterizava o forte apelo emocional e o exagero trágico
frente a algumas situações das narrativas literárias, envoltas de um
sentimentalismo exacerbado.
A “moral
romântica” é algo que valorizava, acima de tudo, o escapismo do homem a uma
realidade transcendente, dispondo de uma estética deixada pelos antigos, com
dois mil anos de “cristianismo nas costas”. Daí então, pela perspectivação de
uma metafísica na arte, tinha-se o universalismo, o ideal, perante o que
significaria belo.
Servia então, a
arte, como objeto de escape.
No entanto,
compreendendo as transformações socioculturais e filosóficas, advindas acima de
tudo da crítica do Realismo/Naturalismo, e com o ceticismo positivista de
Auguste Comte que visava o progresso científico e cultural longe de uma esfera
de pensamento teológico metafísico; aos poucos, parte das escolas artísticas
foi perdendo seu papel de “fuga” ou idealização poética de uma realidade
transcendente, e se empenhando na quebra de tabus morais, com a finalidade de
chocar, comover os interlocutores com base em uma reflexão da realidade por
elementos dela mesma. Mas como isso se sucedeu? E quais são suas maiores
problemáticas sociais? Afinal, é uma problemática?
A fim de
respondermos a essas instigantes questões, atenhamo-nos ao seguinte trecho do
documentário:
“Obviamente esse hábito de
enfatizar o lado desolador da vida humana não é novo. Desde o início de nossa
civilização, tem sido uma das tarefas da arte pegar o que é mais doloroso na
condição humana e redimi-lo em uma obra de beleza. A arte tem a habilidade de
redimir a vida ao encontrar beleza até nos piores aspectos das coisas.”
Tal excerto retirado do documentário de
Scruton nos faz atenuar a importância do ser humano na retratação de seu mal
como remédio para saná-lo, assim como também exemplificado pelo dionisíaco, o culto ao bizarro, de Nietzsche em a Origem da Tragédia, que trata o exemplo de Édipo Rei, de Sófocles, na narrativa do que há de mais fatídico e
medonho da vida para que se possa escapar e procurar o apolíneo, ou seja, o culto ao belo, ao “bom”, que no caso, é
valorado moralmente.
Então, na arte contemplativa escapista e
poética, tem-se a supressão de fatores psicológicos agravantes à vivência do
homem enquanto ser sociável, fazendo com que ele suporte a existência de forma
a amortecer com o escapismo, frente à valorização do belo, ou pelo menos de sua
concepção. Tendo então a realidade ideal, seja dionisíaca, ou apolínea.[1]
Portanto, Scruton critica a falta desses
fatores nas obras de arte (algumas) atuais, estabelecendo então um critério
moral a elas, que só trabalham na quebra dos valores artísticos anteriores
somente.
Se queres um exemplo, tome a figura de La fontaine de Marcel Duchamp, onde fora
exposto um mictório em uma galeria artística, onde está nele escrito o nome da
obra e “Isto é arte” em uma etiqueta próxima.
E o que provocou afinal essa desvalorização
de valores metafísicos, permitindo com que exposições como a de um mictório
ocorram?
Scruton culpa a então chamada Pragmática,
que trata de um relativismo radical, defendido por filósofos pós-modernos como Gilles
Deleuze, Felix Guattari, Michel Foucalt, Richard Rorty. E teve seus primeiros
ecos com a teoria pessimista de que todos os pontos de vista existentes não
fossem nem verdadeiros, nem falsos, mas construídos socialmente conforme as
necessidades fisiológicas, geográficas e culturais de um determinado segmento.
Isso abstrai qualquer metafísica e nos prende no campo do materialismo cético
somente, sem necessidade de escapismo. Não é em vão que os teóricos citados
seriam em grande parte marxistas.
Logo, com a relativização da beleza,
aniquila-se o campo da necessidade do belo, e não há tratamento dos males
psicológicos, mas sim uma quebra de tabus. Ou seja, por positivismo, ceticismo.
Que inicialmente fora interessante, mas que com o passar do tempo, tornou-se
fatídico.
Como poderia haver um motivo para a produção
da arte se não há valores cogitados como viáveis ou inviáveis; morais ou
imorais? Simples! Esse é o objetivo! É uma arte sem sentido apenas, o que,
logo, que aniquila qualquer possibilidade de debate em relação ao valor da obra.
Percebe-se então certo autoritarismo na
Pragmática Relativista, e logo, uma incoerência, pois esta visa o discurso da “tolerância
retórica” politicamente correta. Só que os relativistas são os primeiros a
censurarem os que os negam. Discordam dos que os indagam, pois não há
refutações àquilo que não é certo ou errado, mas relativo, conforme eles.
De acordo com Scruton, em um contexto onde
nada é proibido (onde a beleza é relativa), é necessário proibir aquilo que
deseja proibir o ato de não proibir nada.
Há um apelo inerente à irracionalidade,
tornando a condição humana algo trivial, animalesco; relativizam a arte. Isso
permite o surgimento de expressões puramente irracionais e estética e
filosoficamente pobres, como uma “centopeia humana”[2].
Scruton torna clara a observação a respeito
de trabalhos artísticos descabidos dos princípios morais da beleza:
“Às vezes a intenção é nos chocar, mas o que é
chocante na primeira vez é chato e vazio quando repetido. Isso conduz a arte
para dentro de uma piada intrincada, que agora deixou de ter graça.”
“A arte criativa não é realizada assim,
simplesmente tendo uma ideia. Claro, ideias podem ser interessantes e
divertidas, mas isso não justifica a apropriação do rótulo de ‘arte’. Se uma
obra de arte não é nada mais que uma ideia, qualquer um pode ser um artista e
qualquer objeto pode ser uma obra de arte. Não há mais necessidade de
habilidade, gosto ou criatividade.”
“Então, a arte de hoje nos mostra o mundo como ele
é, o aqui e agora com todas suas imperfeições; mas o resultado realmente é
arte? Certamente uma coisa não é uma obra de arte somente porque mostra um
pedaço da realidade (a feiura incluída) e se auto intitula de ‘arte’. A arte
precisa de criatividade, e criatividade é sobre compartilhar, é um chamado para
que os outros vejam o mundo como o artista o vê.”
Segundo
Roger Scruton, também, a arquitetura quotidiana sofreu com os ditames da
utilidade prática sem reflexão por seus elementos estéticos que viabilizem uma
beleza. Compara-se a arte arquitetônica de Antoni Galdi, famoso arquiteto
catalão espanhol, que se dedicara em curvas e uma estrutura inovadora, e as
obras modernas de arquitetura urbanista do quotidiano[3],
“desprovidas de vida”, quadrados, triângulos...
Os
danos sociais então, é que com o relativismo na arte, e na praticidade isenta
da beleza estética na arquitetura, não há mais tanta admiração e “cura
psicológica” frente às mágoas e alegrias da existência, e retém-se tudo em uma
banalidade de materialismos mutáveis, instáveis, que caminham junto ao modismo
ou à praticidade somente. Detém-nos num mundo onde o ter e o chocar é mais
valoroso que ser e sentir.
Gabriel
Silva Corrêa Lima
[1] Não seria conveniente expor aqui a referência a Nietzsche sem
incisiva crítica do maior conservador brasileiro em atuação, Olavo de Carvalho:
http://www.olavodecarvalho.org/semana/02152003globo.htm
[3] Salvo as inovações efetuadas com a instrumentação moderna, como as
obras de Dubai.
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